Ao meu caro Estado

      Caríssimo, eu tenho 28 anos e quase nenhum sonho realizado. Não consigo um emprego estável, porque tu és o meu chefe há 5 anos e só me queres se te passar um recibo, não te interessa fazer um contrato comigo. Não posso comprar carro, porque conscientemente sei que poderei ser dispensada a qualquer momento e, portanto ando de transportes. Quanto a ter filhos, andava-te agradecida porque em 10 anos, salvo raras rupturas de stock, nunca me faltaste com o método de contracepção mas... hoje estou danada contigo. Tens noção da quantidade de coisas que eu deixo de fazer para conseguir ser independente e não ter dívidas? Não viajo, não vou a restaurantes, não compro casa/carro, não tenho filhos, não vou aos saldos, não vou ao médico... Caro Estado Português tens noção o quanto é triste aos 28 ter uma vida limitada? Eu adorava já ter um filho ou mais até, parceiro e relação feliz não me falta. Mas como é que posso pôr uma criança ao mundo, se as minhas perspectivas de ter emprego duram 24h? Dizes-me excelente e digno Estado onde vou eu buscar dinheiro todos os meses para comprar a pílula? Sei que para ti sou apenas mais uma cidadã revoltada. Pois... o problema é olhares assim para tudo o que te rodeia e se manifesta. Estou cansada Estado. O meu útero tem um prazo de validade e tu a pagares-me é quando bem te convém. Imagina o que é chegares aos 28 anos, veres que fizeste tudo como manda a lei e nada de bom te acontece. Foste boa aluna, seguiste um curso útil, nunca ficaste a dever nada a ninguém, não quiseste ser um fardo aos teus pais quando acabaste o curso e fizeste-te à vida... e resultados? Uma conta bancária nas lonas, três meses de procura de emprego e nada e depois lá vens tu Estado de mão esticada, dar-me um lugarzinho, nas condições que tu queres, nas tuas perspectivas, destruindo os meus sonhos.

Estou mesmo triste.

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